Um Plano Diretor sem direção

O Artigo 182 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, definindo que o instrumento básico desta política é o Plano Diretor. O que é a função social da cidade e da propriedade urbana? Conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º: “É garantido o direito de propriedade em todo território nacional e toda propriedade atenderá a sua função social”. E é o estado, na sua esfera municipal, que deverá indicar a função social da propriedade e da cidade, buscando o necessário equilíbrio entre os interesses públicos e privados no território urbano. Portanto, o município é o responsável por formular a política urbana e buscar, através do plano diretor, as funções sociais da cidade, possibilitando acessos e garantindo o direito a todos que nela vivem, à moradia, aos serviços e equipamentos urbanos, ao transporte público, ao saneamento básico, à saúde, à educação, à cultura e lazer e às sustentabilidades econômica e ambiental, não só para as gerações atuais, como também para as futuras. O Estatuto da Cidade ainda indica que devem ser desenvolvidos esforços para a simplificação da legislação de parcelamento de uso e ocupação do solo e normas estabelecidas para as edificações, com o objetivo de possibilitar a redução de custos nos processos construtivos adotados e o aumento da oferta de lotes e unidades habitacionais. E ainda recomenda a isonomia de condições para os agentes públicos e privados, na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização. As diretrizes gerais, estabelecidas no Estatuto da Cidade, buscam orientar a ação de todos os agentes responsáveis pelo desenvolvimento a tratar a sua cidade como um todo, rompendo a visão parcelar e setorial do planejamento urbano, até aquele momento de instituição do Estatuto e Plano Diretor praticado. Editar normas não é planejamento urbano. A simples elaboração da lei que institui um Plano Diretor não nos leva à cidade que queremos ter, nem mesmo às cidades mais inclusivas, mais participativas e socialmente justas. O Plano Diretor é instrumento e, portanto, não resolverá por si, o problema de ocupações desordenadas. A maioria esmagadora da doutrina sobre Plano Diretor o descreve como solução mágica para os problemas da cidade mas, na prática e, aqui se destaca São Carlos, o que ocorre é exatamente o contrário, isto é, torna-se mais um grande problema da cidade. 2 Muitos planos diretores são armas utilizadas pelo Ministério Público para impor e algumas vezes até coibir os gestores públicos a realizar e implantar políticas e instrumentos que, na “vida real” são inaplicáveis, quer seja por inviabilidade financeira, seja por inviabilidade técnica ou prática. Mas, e quanto ao Plano Diretor de São Carlos? É um bom exemplo dos efeitos inócuos que os planos podem ter? Ele também sofre com as próprias vicissitudes. É excessivamente complexo, tecnicista e ambicioso, otimista demais quanto a sua viabilidade e perenidade em um contexto econômico, grave e imprevisível do Estado Brasileiro. Aquilo que se dizia “boas intenções” ficaram só no papel. Não é possível que após quase 3 anos de vigência desta lei, ainda não se conseguiu liberar, para implantação, nenhum novo parcelamento, seja para atendimento de classes abastadas, médias ou pobres. Não se configurou nenhum “urbanismo de mercado”, seja ele social, industrial ou comercial. Não se viabiliza a recuperação do centro urbano, quando surgem restrições, destituídas de um mínimo de senso e técnica, incompatíveis com a própria recuperação dos imóveis já implantados. E a questão meio ambiente x sustentabilidade ocupa, indevidamente e indiretamente, o espaço de maior indutor de restrições, imposições, reduções drásticas de potencialidades, conceitos indevidos para as estruturas públicas e o empobrecimento e degeneração dos ambientes existentes dentro e no entorno de grandes áreas de empreendimentos sociais e industriais. Tolerar, pelo fato de ter atuado significativamente na coordenação do Plano Diretor vigente, Lei Municipal 18053/2016 não me assegura o comodismo de elogiar o que foi expresso na lei objeto. Todo o esforço, infelizmente, se não corrigido, consolidará a interrupção do crescimento normal da cidade, o que pensar, então, de um crescimento efetivamente social e sustentável. Vamos revisar o que já é passado.

André Luis Fiorentino Engº Civil e Segurança do Trabalho

Foto: ilustrativa