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O amor bandido

O amor é forte como a morte. Ao escrever isso, Salomão – Cantares, 8:6) – não poderia prever, embora o terceiro rei dos judeus fosse considerado o mais sábio dentre os homens, que séculos adiante haveria um sistema prisional, origens no século V – onde pudessem existir mulheres, muitas, que se encantam apaixonadas com aprisionados.

Esse amor é difícil de ser explicado, além das carências psicológicas tão citadas pelos discípulos de Freud. O famoso Cabo Bruno, por exemplo, apelido de Florisvaldo de Oliveira, ex-policial militar condenado por uma série de assassinatos (ele se apresentava como justiceiro social), recebia no cárcere dezenas de cartas, todas escritas por mulheres se oferecendo para momentos de lascívia. Não foi o único: Francisco Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, também era o destinatário de muitas cartas, uma delas escrita por uma professora gaúcha, que passou do virtual para o presencial, alugando uma casa nas proximidades do presídio onde cumpria pena, só para ficar perto do amado – terror para outras, querido para ela.

Não se sabe exatamente o motivo dessas paixões, mas sabe-se que certo tipo de criminosos exerce um fascínio que elas consideram irresistível, para ficar com o transgressor da lei, e por isso venerado. A rigor, certo tipo de preso pode escolher com quem quer ficar, tantas são as ofertas para desfrutar de delirantes momentos em decúbito. Talvez Freud pudesse explicar, ou Dostoievski, antes dele.

Fora do Brasil, o ministro da Justiça da Dinamarca, Nick Haekkrup, por enfrentar situação semelhante nos presídios, comentou que “isso tem que acabar”, justificando um projeto de lei para proibir contatos físicos para prisioneiros condenados a prisão perpétua. Pelo projeto, tais contatos somente seriam possíveis  para quem já mantivesse uma relação iniciada durante os primeiros dez anos de cumprimento da pena.  Segundo o ministro, as restrições passariam a ser impostas para inibir o assédio de fãs, fato que se tornou comum no que os dinamarqueses chamam de “centros de namoro”. Também se pretende que presos condenados sejam impedidos de usar plataformas midiáticas para se gabar de seus crimes. Como aqui, lá existem os “direitos humanos”, defendidos por um Instituto que vai analisar se a abstinência sexual teria fundamentação legal e se a medida imposta seria “proporcional”. Há uma tendência para aprovação do projeto restritivo no Parlamento.

Amor, sublime amor

O palpitar mais acelerado dos corações possui, entre nós, variantes fragmentadas. Acontece, poucos sabem ou ficam sabendo: o olhar lançado sobre tal tipo de casal tende a ser compreendido. Mas espanta, algumas vezes. É o caso de uma delegada de polícia que se apaixonou por um preso sob custódia, exatamente na delegacia onde ela trabalhava. O bem-amado era um estelionatário, bom de conversa, e cativou a mulher. Não é que um dia, no plantão dela, a delegada abriu a cela e os dois desapareceram juntos? Na fuga, cujo paradeiro nunca foi descoberto, ela deixou para trás a carreira, a Polícia e a família (era casada). Algo tão estranho como a jornalista que, apaixonada por um famoso médico preso, visitava-o com regularidade.

Há um caso, daqueles que jamais será esclarecido, da mulher que vivia junto com um bandido e desejava ardentemente que ele mudasse de vida, tornando-se honesto, abandonando a nefasta ligação permanente com o crime. Vendo um estoque de armas pertencentes a ele, escondidas num armário de casa, foi a Polícia e revelou este fato. Imaginou que, assim, sem aquelas armas aconteceria uma metamorfose na vida do seu querido. A Polícia foi à casa apreendeu as armas e, numa revista por todas as dependências, encontrou – enterrados no quintal – sacos de dinheiro, rapidamente identificados como tendo sido subtraídos de um banco. O bandido foi preso. Na delegacia especializada em roubos a banco, o bandido ficou surpreso. Aquele era um segredo que não tinha sido partilhado para ninguém? Pediu a informação a respeito da fonte delatora, para em troca contar tudo sobre a sua quadrilha. Um tira sem escrúpulos revelou o segredo. A mulher, dias depois, saiu de casa para trabalhar, confiante na regeneração do companheiro. Quando, no retorno para casa, desceu do ônibus, foi atingida por uma saraivada de tiros. Foi a retribuição do homem que, mesmo diante do amor, decidiu prosseguir na sua vida criminosa. O assassinato jamais será esclarecido. Faz parte dos podres que permeiam os bastidores criminais.

 

Acontece o inverso, também. O amor-bandido pode possuir duas faces. Um delegado empenhou-se em localizar perigoso assaltante de bancos. A prisão foi um troféu para ele e a Polícia. O bandido possuía uma bela mulher. O delegado, aos poucos, foi se apaixonando, até que os dois resolveram viver juntos de uma vez. O bandido, cumprindo pena. Ela, num novo lar-doce lar.

Como entender esses enigmas do coração? O poeta Fernando Pessoa tentou decifrar: “Amar é cansar-se de estar só; é uma covardia, portanto, e uma traição a nós próprios”. Achei essa definição bem criminógena, bem adequada para casos concretos, porque na lei dos cárceres impera um código implacável: homem bandido não faz visitas, para evitar comprometimentos em torno de suas ligações nem sempre conhecidas. A mulher de bandido, pelo contrário, é obrigada a visitá-lo regularmente. Aliás, só dois tipos de mulher fazem visita para encarcerados: a mãe a sua companheira. Mais ninguém. A fidelidade é exigida implacavelmente, sob pena de ser aplicada a pena de morte. Esta é a “ética” marginal, impossível de ser chamada de ética, que é outra coisa. Eliezer da Silva, bandidão, fugiu da cadeia. Na rota de fuga, passou em casa. A mulher não estava. Encontrou-a perto dali, aos abraços e beijos com um homem, dentro de um carro. Furioso, fuzilou os dois. Talvez aqui se encaixe o pensamento do padre António Vieira num de seus sermões: “quem padece muito pelo que muito ama, a sua cruz é a sua glória”. Eliezer havia esperado e sonhado muito pelo reencontro com a mulher. Após matá-la com o que ele classificou de ”amante”, desistiu da fuga, sofrido, entregou-se à Polícia. No retorno à prisão, ganhou mais status no nebuloso mundo do crime.

Há muito mais, porém, nesse universo no qual Cupido dita regras e comportamentos inimagináveis. Foi o caso de uma advogada que, contratada por um chefão de máfia, outrora apenas “facção”, evoluiu de visita profissional para visita íntima. Engravidou. Detalhe: a advogada era casada com um juiz de Direito, que para suportar melhor a traição, passou a fazer parte da folha de pagamentos da organização criminosa. O fato foi rigorosa e minuciosamente apurado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça.

Na mesma época desse fato, uma advogada foi descoberta como sendo misterioso elo de ligação do Primeiro Comando da Capital, PCC, que mantinha contatos permanentes, usando o dia de visita, com um dos expoentes do crime estruturado dentro e fora dos presídios. Ela era encarregada de passar mensagens, que misteriosamente chegavam aos respectivos destinatários. Uma investigação descobriu como: ela escondia a mensagem, escrita nos seios, e abria a blusa, no parlatório, para o visitado ler.

O poeta gaúcho Mario Quintana não poderia imaginar que um dos seus versos ajudaria a resumir essa situação entre culpados e encarcerados, com os seguintes versos: “amar é mudar a alma de casa”.

Esta é a prisão onde vivem culpados e alguns inocentes. É pouco conhecida: cheira mal e o aroma, nada suave, deixa as roupas impregnadas. É mais suportável, quando se entra, não olhar para trás quando sair.

Fonte: r7

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